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domingo, 20 de março de 2011

Basta

Na minha juventude um meu tio, por quem tive o privilégio de ser educado, levava-me, frequentemente a ver ora teatro, ora ópera, ora concertos. De início eu achava os espectáculos uma estopada. Felizmente, o velho tio persistiu no seu intento de me familiarizar com as artes do belo canto, da música e da representação e eu, com o tempo fui-lhe tomando o gosto. Fiquei-lhe grato para sempre e aqui teço uma sentida homenagem à sua memória.

O público, naquela época, era exigente e não se compadecia com actuações medíocres. Se o espectáculo não correspondia às expectativas pateava. Sim, pateava batendo fortemente com os pés no chão. Não se verificavam, senão raramente, gritos ou assobiadelas. Uma bela pateada era uma forma de protesto contra um mau espectáculo e uma pratica de que pouca gente abdicava.

Nos nossos dias desde há muito que essa peculiar tradição se esfumou e, presentemente, temos dificuldade em determinar, quando ouvimos gritos e assobiadelas, se o público está a aplaudir ou a protestar.

Não se fique já aqui a pensar que eu sou um saudosista do passado. Muito pelo contrário. Não tenho saudades nenhumas da Pide, da censura, da Legião, da Mocidade Portuguesa e de mais uma catrefada de arbitrariedades e injustiças que ocorriam na época.

A pateada era uma das poucas coisas que se faziam com livre arbítrio sem, todavia, deixar de acautelar a presença de um ou outro polícia que estacionava, durante alguns espectáculos, nas coxias laterais.

Muitas pateadas, que tinham lugares nas estreias determinavam, muitas vezes, a continuidade do espectáculo.

Hoje em dia os protestos adquiriram outras formas, deixando ser uma expressão abrangente da sociedade para passarem a sectorizar-se em diversos núcleos sociais. Hoje=os professores, amanhã=os médicos, depois de amanhã= os pescadores e por aí fora. As tentativas que os sindicatos fazem no sentido de promover uma greve geral estão sempre condenadas ao fracasso, nunca tendo uma adesão significativa, quando não insignificante. E isto porque cada grupo se está, positivamente, borrifando para o vizinho do lado. O que se pretende e ver satisfeitas as reivindicações. E os outros? Que se amanhem!

Acima, dizia que em determinada época se praticam toda a espécie de injustiças e arbitrariedades. E nos nossos dias? As coisas melhoraram? Já não há pobreza, fome, autoritarismo, exclusão social, emprego precário, reformas de miséria e muitos outros direitos que se vêem destruídos ou burlados? Nestes mais de 30 anos de democracia (democracia?) o que é que mudou? Em tempos sofria-se, entre outras coisas, da repressão policial agora sofre-se de tirania económica. Que é um tipo de tirania invisível e silenciosa; uma corja que se dá a conhecer, apenas, pelo eufemismo mercados. É sempre o velho chavão: os ricos cada vez mais ricos; os pobres cada vez mais pobres. Algum membro do actual governo que lê-se este relambório logo contraporia: O senhor está mal informado. Não se esqueça que já demos isto, mais aquilo e aqueloutro. Migalhas, não foram mais que migalhas. O grosso da coluna foi dado, de mão beijada, ao grande capital. A riqueza está concentrada em duas dúzias de maraus que regem, a seu bel-prazer, os nossos destinos. E prova foi o recente escândalo de salvação das bancas que não controlaram a sua cupidez e cujos gestores, autores de numerosas burlas sairão, certamente, ilesos e de barriga cheia. O estado responde a estas questões com sofismas.

É a política que temos!

É a justiça que temos!

Mas será que os portugueses ainda não estão fartos desta gente e dos governos que os apaparicam? Já não e tempo de uma altissonante pateada dizendo: BASTA? Não será este o momento de clamar-mos bem alto o nosso desencanto e nos unirmos todos, um só dia que seja, gritando a esses senhores: BASTA. Basta, estamos fartos de promessas não cumpridas e de vergonhosas migalhas. Um protesto que congrega 100 ou 150.000 pessoas não impressiona os malandrins, mas alguns milhões a gritar BASTA, como forma de pateada, vão faze-los borrar os boxers.

Não pode ser apenas o futebol a unificar um povo. O futebol é um desporto interessante que se aprecia, quando bem jogado. Pena é que se tenha transformado num negócio onde se acoitam certos personagens que o despersonalizam e aviltam. Mas, contudo, se nos deixamos galvanizar com os feitos da equipa das quinas também, se nos esforçarmos, poderemos unir-nos em torno dum objectivo comum: o bem-estar e a melhoria de vida de todos. É preciso que eles – os tais cavalheiros - saibam que estamos tristes, descontentes, revoltados. Teremos de manifestar a nossa insatisfação duma forma convincente, que os faça meditar e retroceder nas medidas anti-sociais que vêem praticando. Se o actual governo não tem coragem para decapitar os abutres que causaram a falência de centenas – senão milhares – de famílias que se demitam.

A palavra solidariedade não consta do vocabulário de quase todos os políticos e dos grandes empresários. Mas terão de se consciencializar que não podem continuar a fazer leis só para beneficiar alguns que engordam os cofres à custa do trabalho mal pago e, muitas vezes, escravizante.

E, já agora, mostrem alguma solidariedade para com os idosos abandonados pelas famílias em camas de hospitais. Dêem-lhes uma vida, um bem-estar que possa minimizar a tristeza decorrente do vergonhoso abandono a que foram votados. Não finjam que são bonzinhos só antes das eleições.

Assim, em cada cidade, em cada vila, em cada povoação, em cada lugarejo, no mesmo dia, à mesma hora vamos todos gritar: BASTA. Quem se veja impedido de comparecer no local aprazado vá janela e grite: Basta, Basta, BASTA, BASTA, BASTA, BAAAAAAASTA! Já no dia 31 de Março de 2011. BAAAAAAASTA!

Fernando Perdigão

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